Por Jorge Oyafuso
Estive observando fãs comentarem com certa frequência sobre o vacilo de Frodo naquele momento derradeiro, em que deveria ter soltado o Um Anel no fogo da Fenda da Perdição, mas não soltou. Tal fraqueza implicou em diversas manifestações negativas acerca de Frodo, e uma super-valorização ao Sam, e até mesmo ao Bilbo.
Antes de prosseguirmos com a análise, esclareço que o poder e tentação que Frodo sofreu pelo Um Anel na jornada foram mais acentuados no filme que no livro. E sobre Gollum, no livro ele não foi empurrado. Caiu sozinho, vítima de nada mais nada menos que sua própria comemoração de vitória que causaria ruína a todos.
Já vi alguns dizerem que Sam teria sido mais adequado para ser o portador do Anel e que teria sido capaz de destrui-lo. Não, não seria. Ninguém seria, conforme Tolkien diz mais abaixo.
Já vi outros dizerem que Bilbo teria sido capaz, até com facilidade, de destruir o Um. Não, também não teria sido. Embora Bilbo tenha sofrido menos do fardo do Anel em um intervalo de tempo muito maior, devemos levar em consideração que ele só não sofreu como Frodo, não por ser mais forte, mas porque não havia preocupação de destruir aquele objeto; as circunstâncias eram diferentes. Enquanto estivesse na posse de Bilbo, era conveniente para o Um Anel esconder-se do mundo até a ascensão de seu Mestre.
Na carta #246 o professor Tolkien esclarece para uma leitora vários pontos acerca do fracasso de Frodo e filosofa por trás desses acontecimentos.
(...) Acredito que ela (a solução da qual Tolkien decidiu que Frodo falharia nas Fendas da Perdição e que o mundo seria salvo por um evento completamente inesperado, que é a queda do Gollum), seja central para toda a 'teoria' da nobreza e heroísmo verdadeiros que é apresentada.
Frodo realmente “falhou” como um herói, como concebido por mentes simples: ele não suportou até o fim; ele cedeu, rendeu-se. Não digo “mentes simples” com desprezo: elas frequentemente veem com clareza a verdade simples e o ideal absoluto para os quais os esforços devem ser dirigidos, até mesmo se for inacessível. Porém, sua fraqueza é duplicada. Elas não percebem a complexidade de qualquer determinada situação no Tempo, na qual um ideal absoluto é enredado. Elas tendem a esquecer daquele estranho elemento no Mundo que chamamos Piedade ou Clemência, que também são exigências absolutas no juízo moral (uma vez que está presente na natureza Divina). Em seu exercício mais alto pertence a Deus.
(...)
Não acho que o fracasso de Frodo foi moral. No último momento a pressão do Anel alcançaria seu máximo - impossível, eu deveria ter dito, para qualquer um resistir, certamente após uma longa posse, por meses de tormento crescente e estando faminto e exausto. Frodo havia feito o que podia e havia se exaurido completamente (como um instrumento da Providência) e havia criado uma situação na qual o objetivo de sua demanda não poderia ser alcançado. Sua humildade e seus sofrimentos foram devidamente recompensados com a maior honra; e seu exercício de paciência e compaixão para com Gollum valeram-lhe a Misericórdia: seu fracasso foi reparado.
Somos criaturas finitas com limitações absolutas sobre os poderes de nossa estrutura de corpo e alma tanto em ação como em resistência. O fracasso moral só pode ser asseverado, creio, quando o esforço ou resistência de um homem não atinge seus limites, e a culpa diminui na medida em que se chega mais próximo desse limite. No entanto, creio que poder ser observado na história e na experiência que alguns indivíduos parecem ser colocados em posições "sacrificiais": situações ou tarefas que para a perfeição da solução demandam poderes além de seus limites máximos, até mesmo além de todos os limites possíveis para uma criatura encarnada em um mundo físico - no qual um corpo pode ser destruído, ou tão mutilado que afeta a mente e a vontade (...).
Frodo empreendeu sua demanda por amor - para salvar o mundo que conhecia do desastre ao custo de si próprio, caso pudesse; e também em completa humildade, reconhecendo que ele era totalmente inadequado para a tarefa. Seu compromisso real era fazer apenas o que pudesse, tentar encontrar um caminho e ir ao mais longe na estrada que sua força de mente e corpo permitisse. Ele fez isso (...).
E mais, na mesma carta, Tolkien explica do porquê Frodo ter sido agraciado para passar seus últimos dias no Oeste mesmo com seu fracasso:
Ele (Frodo) parece primeiramente não ter tido qualquer sentimento de culpa (pelo fracasso); restauraram-lhe a sanidade e a paz. Mas ele então pensou que havia dado sua vida em sacrifício: ele esperava morrer muito em breve. Porém, ele não morreu, e é possível observar a inquietação crescendo nele. Arwen foi a primeira a observar os sinais, e deu-lhe sua joia para consolá-lo e pensou em uma maneira de curá-lo. Lentamente ele 'sai de cena', dizendo e fazendo cada vez menos. Acho que está claro mediante reflexão para um leitor atento que quando seus tempos sombrios caíram sobre ele e estava consciente de estar "ferido por faca, ferrão e dente e um fardo por muito tempo", não eram apenas pesadelos (...), mas também uma autocensura despropositada: ele via a si mesmo e tudo o que havia feito como um fracasso retumbante. "— Embora eu possa voltar, o Condado não parecerá o mesmo, pois eu não serei o mesmo". Essa na realidade foi uma tentação do Escuro, uma última centelha de orgulho: desejo de ter retornado como um "herói", e não satisfeito em ser um mero instrumento do bem (Providência). E essa estava misturada com outra tentação (...), ele na verdade não se desfez do Anel por um ato voluntário: ele estava tentado a lamentar sua destruição e ainda desejá-lo. "— Foi-se para sempre, e agora tudo está escuro e vazio", disse ele quando despertou de sua enfermidade em 1420.
Em seguida, Tolkien explica do porquê de Frodo ser enviado para as terras imortais imaculadas pelo mal:
"— É lamentável, mas há certos ferimentos que não podem ser totalmente curados", disse Gandalf - não na Terra-média. Frodo foi enviado ou teve permissão para passar por sobre o Mar para curar-se (...). De modo que ele partiu tanto para um purgatório como para uma recompensa por algum tempo: um período de reflexão e paz e a aquisição de uma compreensão mais verdadeira de sua posição em pequenez e grandeza, passado ainda no Tempo no meio da beleza natural da "Arda Não-Desfigurada" (...).
E por que Bilbo foi junto, sendo que não sofreu "tanto" pelos efeitos do Um e não teve um papel tão importante na destruição do mesmo? Por que ele pôde ir e Sam não, que sofreu durante a jornada?
Bilbo partiu também. Sem dúvida como uma finalização do plano devido ao do próprio Gandalf. Gandalf tinha uma grande afeição por Bilbo (...). A companhia deste era realmente necessária para o bem de Frodo - é difícil imaginar um hobbit (...) estando realmente feliz mesmo em um paraíso terrestre sem um companheiro de sua própria espécie, e Bilbo era a pessoa que Frodo mais amava. Mas ele também necessitava e merecia o favor por si próprio. Ele ainda carregava a marca do Anel que precisava ser finalmente apagada: um pouco de orgulho e possessividade pessoal (...). Quanto à recompensa por sua parte, é difícil acreditar que sua vida estaria completa sem uma experiência de "Elficidade pura" e a oportunidade de ouvir as lendas e histórias integralmente, cujos fragmentos tanto haviam lhe deleitado.
Sobre a não ida de Sam para o Oeste, foi iniciado por Elanor, sua filha, a crença de que após a morte da sra. Rosa, o mesmo atravessou o Mar, sendo este o último Portador do Anel a deixar a Terra-média.
Espero que esse texto esclareça que o fracasso de Frodo não o torna menos heroico. Pelo contrário. Foi sua iniciativa de levar o Um Anel, sua compaixão e amor pela Terra-média, seu compadecimento por Sméagol/Gollum e, por que não, sua fraqueza, determinantes para a vitória do bem no final. Pois tudo que plantamos no passado nos faz colher frutos positivos ou negativos no futuro, e graças ao Frodo, houve muitos mais frutos positivos. E graças a ele, a Sam, à Comitiva e todos aqueles que desempenharam um papel importante (inclusive Gollum!), é que a Terra-média pôde encontrar paz definitiva das garras daquele maia tão maligno, o Sauron.
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