![]() |
Edgar Allan Poe - Machado de Assis - Clarice Lispector |
“O conto não é mais o mesmo depois de Poe. Não se escreve mais da mesma maneira depois de Poe. Não se vê mais o mundo, a vida e a morte da mesma ótica depois de Poe. ” Estas são as palavras de Eliane Fitipaldi Pereira* ao apresentar o livro ‘Contos de Suspense e Terror’, do celebre escritor Norte Americano Edgar Allan Poe (Veja aqui uma análise literária do conto 'O Gato Preto'). Além de Poe, vários escritores se destacaram nessa modalidade narrativa, tais como, Clarice Lispector, Machado de Assis, Moacyr Scliar, Charles Dickens, H.P Lovecraft e etc. Atualmente, tem se observado um aumento no interesse pela leitura de contos, dos clássicos aos atuais que são lançados frequentemente por novos talentos literários. O conto possui uma maneira peculiar e bastante atrativa de se contar uma história; mas, para se ter uma experiência plena desse gênero narrativo é preciso estar familiarizado com suas principiais características, nas quais vamos considerar neste artigo.
Conceitualmente,
conto é uma narrativa curta, cuja característica central é condensar o
conflito, tempo e espaço com reduzido número de personagens. Ou seja,
diferentemente do romance, que possui uma narrativa longa, envolve muito
personagens, maior número de conflitos e tempo e espaço mais ampliados, o conto
condensa essas características para uma forma mais direta e econômica. Vejamos
isso na prática através de uma breve análise estrutural do conto ‘O
ganancioso Barão Raposo’, escrito por Rodrigo Passolargo*, que faz parte do livro ‘Vilões– Antologia com 15 Contos inéditos’:
O GANANCIOSO BARÃO RAPOSO
O
conto trabalha com um único conflito dramático: no caso, a ganância de um herdeiro
gatuno que almeja ser o homem mais rico do mundo.
No
texto de Rodrigo vemos todos os elementos característicos duma narrativa: o ¹narrador, em terceira pessoa, ² o espaço (Londres, Floresta,
Caverna...), ³tempo (objetivo e
cronológico) e a ³situação inicial:
O barão que recusa ajudar dois mendigos, furta objetos valiosos e só pensa em
como ficar mais rico. Em sequência há o elemento que desestrutura a história –
os dois mendigos ficam ricos de forma fácil e repentina e o barão passa a
cobiçar a mesma sorte dos ex-mendigos em estado totalmente doentio. Os personagens – o Barão (protagonista),
dois mendigos e dois deuses onipresentes Shu e Emesh (secundários). O clímax da história (auge do conflito
dramático) é atingido quando se cria o suspense – o plano do Barão Raposo de se
tornar o homem mais rico do mundo de forma repetina, tal como os dois mendigos
– pode ou não dar certo. A partir do momento que o barão Raposo chega numa
caverna mística escondida nos confins de uma floresta, faz um pedido aos deuses
e obtém uma benção inusitada, a história caminha para o seu desfecho.
***
Thomas
C. Foster*, no seu livro teórico de literatura ‘Para ler Romances como um
especialista’, traz atenção para primeira frase, parágrafo e página na
abertura de um romance. Segundo ele, a primeira página de um romance é uma
espécie de negociação com o leitor, que o prepara e informa sobre a forma como o
livro deverá ser lido. No entanto, apesar da importância de uma grande
abertura, é possível que diferentes leitores nas mais diversas obras de romance,
passem a se identificar ou se sentirem atraídos pela história bem depois dos
primeiros capítulos. No conto é diferente. Devido a sua estrutura curta, é
preciso mais do que um preparo inicial, o escritor tem a responsabilidade
redobrada em convencer e fisgar o leitor imediatamente na introdução,
principalmente quando o conto possui clímax e desfecho ocorrendo de forma
simultânea - estrutura comum nos contos, principalmente nos Poeanos e de H.P Lovecraft.
Alguns creem que os contos, por serem menores e “econômicos”, são desconstituídos de valores estéticos e, por esta razão, são voltados mais para o passatempo do que qualquer outra função. Um engano. Os contos de Poe, num exemplo de estética, possuem uma magia verbal única – o ritmo hipnótico, hipérbatos e anacolutos (que criam o suspense), as aliterações, assonâncias e consonâncias que marcam as ações ou comportamento das personagens, o pleonasmo que transmite as emoções, e assim por diante. No conto ‘O Ganancioso Barão Raposo’, cujo a estrutura foi analisada neste artigo, possui em sua composição uma rica fusão de valores literários oriundos da cultura nordestina e inglesa numa história que, assim como os demais contos do livro, leva o leitor rumo ao coração (em sentido figurado) dos vilões ou antagonistas da sociedade (e das grandes histórias) numa reflexão alternativa aos mesmos.
Em seu conceito e estrutura definida, os contos, assim como os demais gêneros narrativos e literários, sempre proporcionaram e continuarão possibilitando a diversidade das ideias, estimulando nossa capacidade de reflexão e ampliação da nossa visão do mundo através de belas e marcantes histórias, quer sejam desenvolvidos por meio de recursos linguísticos apurados para conferir qualidades estéticas do universo artístico literário, ou simplesmente nos fazer embarcar numa curta experiência de aventura, amor, tristeza, erotismo, medo ou humor em algum breve momento da nossa vida de leitura.
* Eliane
Fitipaldi Pereira: Mestre e Doutora em Letras pela USP e
tradutora de vários livros publicados por diferentes editoras.
**
Rodrigo Passolargo: é Presidente do Conselho Branco Sociedade
Tolkien – BR, instituição de que estuda e divulga a obra de J.R.R Tolkien e a
literatura de Fantasia. Funcionário público e licenciado em História, já
palestrou em vários eventos, como Bienal do Livro do Ceará e Encontro Anual de
Literatura Fantástica – PB. Junto com a Secretaria de Cultura do Ceará coordena
o Laboratório de Escritores.
***
Thomas C. Foster: leciona inglês na Universidade de Michigan,
Flint, e também ministra cursos sobre ficção contemporânea, teatro, poesia
escrita criativa e composição. Escreveu diversos livros sobre literatura e
poesia, inglesa irlandesa do século XX, e mora em Lansing, Michigan.